sábado, 28 de dezembro de 2019

Sem ter um treinador, Italo Ferreira começou no surfe como ‘autodidata’

Um fato curioso na vida de Italo Ferreira é que ele não teve treinadores durante a sua formação. Diferentemente de outros atletas, que desde cedo participam de escolas de surfe e buscam pegar o máximo de informação possível para colocar em prática, o jovem potiguar teve de se desdobrar sozinho com sua prancha, apenas observando atletas mais experientes nas praias do Estado. A rotina era simples: assisti-los, pegar a sua prancha e tentar reproduzir o que via. Este foi seu roteiro durante muito tempo, até que um olheiro, impressionado com seu talento, surgiu para impulsionar sua carreira.

Na praia de Genipabu, localizada na cidade de Extremoz, região metropolitana de Natal, Italo Ferreira foi mostrado ao mundo do surfe pela primeira vez. Em uma competição local, disputou as categorias Iniciante e Mirim. Com baterias acirradas contra outros garotos de sua faixa etária, conseguiu vencer as duas modalidades e faturar os seus primeiros troféus com o surfe. Ali, naquele momento, a trajetória dele começava a ser traçada e um futuro de muitos títulos se desenhava pela frente.

Aos 13 anos, o jovem começou a ganhar dinheiro e a ajudar a sua família com o esporte. Isso foi possível graças a uma das principais empresas do ramo – a Oakley – ter lhe oferecido patrocínio. A partir dali, seu crescimento no surfe se tornou inevitável. Afinal, com condições de investir na carreira e, consequentemente, de brigar por coisas melhores, os títulos locais foram surgindo cada vez mais, até que chegou a primeira proposta para deixar o Rio Grande do Norte em busca do sonho da profissionalização.

Entre 2006 e 2007, depois de colecionar troféus nas competições locais, Italo precisou tomar uma decisão difícil: deixar seus familiares e amigos em Baía Formosa para tentar a vida em um grande centro brasileiro. Por intermédio da própria patrocinadora, Italo foi convidado a morar em São Paulo, mas, como era adolescente, precisava contar com a aprovação dos pais. O sinal positivo aconteceu, embora “chorado”. Eles entendiam que a ida até São Paulo poderia mudar a vida da família, que passaria a ter melhores condições de sobrevivência por meio do trabalho do filho.

“Essa mudança marcou muito a trajetória dele. Todos nós encaramos como a grande oportunidade, já que passaria a estar num grande centro. Lá tudo era mais fácil, ele conseguiu ser mais visto e consequentemente ganhou novos apoiadores. Além disso, a cidade foi importante pra ele aprimorar suas técnicas, onde competiu com atletas melhores do que ele estava acostumado no Rio Grande do Norte”, contou Jackson Rodrigues, amigo de infância e um dos confidentes de Italo.

Apesar de não poder ir até São Paulo acompanhar a trajetória do filho, Luizinho encontrou uma forma de deixá-lo mais à vontade. Como a patrocinadora que propôs a mudança também tinha em seu quadro outro atleta potiguar (o também integrante da WCT Jadson André), foi na figura dele que a família se agarrou. “Procuramos deixar ele mais à vontade trabalhando com Jadson, que tinha mais experiência. Lá, um dos grandes incentivadores dele foi justamente o Jadson, que hoje está ao lado dele competindo na divisão de elite”, comemorou.

Recém-saído de Baía Formosa, Italo precisou se desdobrar para dar conta de tanta novidade em sua vida. Menos de um ano após chegar em São Paulo, ele foi levado por patrocinadores ao México, onde o objetivo era melhorar as suas técnicas em outros tipos de ondas, mais altas e agressivas do que estava acostumado no Brasil. “Ele foi pra lá exclusivamente com o objetivo de treinar em outras ondas. Faz parte do processo, já que no futuro ele precisaria surfar em vários países e isso não poderia prejudicar os resultados dele”, explicou o amigo.

Adaptado fora do Rio Grande do Norte, Italo passou a competir em torneios maiores e os resultados vieram naturalmente. No currículo, carrega dois títulos do Campeonato de Juniors: o Pro Júnior do Rio de Janeiro e também o de Garopaba, disputado na cidade da região sul de Santa Catarina. Seu auge em torneios nacionais aconteceu há cinco anos, em 2014, quando se sagrou campeão da SuperSurfe, principal competição do País, lhe rendendo o título de campeão brasileiro.

ESTRUTURAÇÃO FAMILIAR – Diante do sucesso alcançado com o surfe no Brasil, Italo Ferreira começou a mudar o patamar de vida de sua família no Rio Grande do Norte. Embora há 13 anos só consiga passar dois meses ao lado da sua base, ele procura ajudar como pode à longa distância e tem feito tudo com maestria. A casa simples e sofrida em que morava quando criança, em uma das regiões mais altas e humildes de Baía Formosa, deu lugar a um belo primeiro andar que fica praticamente à beira-mar na cidade.

“A gente morava numa casa muito simples lá em cima e conforme ele foi alcançando todo esse sucesso com o surfe começou a ir nos ajudando por aqui. Comprou essa casa que moramos hoje, equipou ela todinha e paga todos os custos. Infelizmente a gente só consegue passar 60 dias por ano ao lado dele, o resto é longe porque ele fica se preparando para as competições. Mesmo assim ele banca tudo aqui e inclusive me proibiu de vender meus peixes, mas, como sou teimoso, pelo menos duas vezes por semana eu ainda vou na Pipa deixar umas encomendas a clientes de longas datas”, brincou Luizinho.

No imóvel em que moram os pais de Italo também reside a sua irmã, Poliana Ferreira, e na parte de cima funciona uma pousada que auxilia na arrecadação de fundos para manter a família em Baía Formosa. Por ser uma pousada com as digitais de Italo, a demanda é sempre alta, principalmente no período do verão, onde o sol brinda nativos e turistas com belos dias e ótimas paisagens no município, hoje considerado um dos polos do turismo norte-rio-grandense.

“Nós construímos essa pousada bem no início, mas com o crescimento dele no surfe ele mesmo reformou. Hoje está uma pousada muito aconchegante que a gente utiliza pra ajudar nas nossas despesas. Apesar de todo o sucesso que alcançou nessa modalidade, ele nunca deixou de olhar para sua família. Tudo que a gente tem é graças a ele. Aquele menino humilde que saiu de Baía Formosa com 13 anos se transformou num grande campeão, mas com o mesmo caráter de sempre, e isso muito nos orgulha enquanto pais”, afirmou Luizinho.

ENTRADA NA WCT E CONSOLIDAÇÃO DO TRABALHO – Incentivado pelos principais títulos conquistados no Brasil, Italo Ferreira decidiu, ainda em 2014, ingressar no Circuito Mundial. Como manda o regulamento, chegou para disputar para a World Men’s Qualifying Series (WQS), considerada a divisão de acesso da modalidade. Enfrentando adversários que há anos disputavam o torneio em busca da chegada até a elite, ele teve sucesso e logo na sua primeira participação terminou no sétimo lugar, conseguindo o acesso para disputar a WCT.

Em uma ascensão meteórica, o surfista potiguar disputou a primeira divisão no ano seguinte e conquistou resultados inimagináveis para um novato: chegou a três quartas de final, uma semifinal e uma final. O troféu não veio em nenhuma das etapas, mas seu desempenho surpreendente lhe rendeu o título de “Novato do Ano” na elite mundial, abrindo as portas para o sucesso dentro do torneio. Nas costas, carrega até hoje o número 15, que marcou o ano de sua estreia no Circuito.

Em 2016, Italo não conseguiu repetir o ritmo da temporada de estreia e encerrou a sua participação em 15.º lugar, mas foi no ano seguinte que ele teve seu pior desempenho, devido a uma lesão no tornozelo, que lhe deixou na 22.ª colocação. No ano passado, conseguiu se recuperar e fez, até então, sua melhor temporada na elite, terminando em quarto. Foi praticamente uma preparação para o ano de 2019, onde em uma recuperação surpreendente, utilizou as últimas três etapas do torneio para arrancar até a liderança, acabando com uma desvantagem que chegou a ser de 10 mil pontos.

Ainda longe de Italo, que chegou a Baía Formosa na véspera do Natal, Luizinho falou da emoção que foi ver o filho campeão do mundo. Ele, que em 2015 chegou a ser hospitalizado no Rio de Janeiro por causa de dores no peito (decorrentes das emoções vivenciadas na primeira temporada de Italo no WCT), esbanjou orgulho do herdeiro e destacou a sua felicidade pela conquista.

“Pra ser sincero, aqui ninguém acredita ainda que isso tudo está acontecendo. Por mais que a gente tenha ficado de plantão aqui assistindo até o resultado final, estamos sem acreditar que ele foi campeão de verdade. A emoção é muito grande. Tínhamos confiança de que um dia ele iria ser campeão mundial, mas não esperávamos que fosse tão cedo. Tem surfista que está tentando há cinco, seis temporadas ganhar pelo menos uma etapa e não consegue, enquanto ele já venceu seis etapas e agora alcançou o ápice. Estamos muitos orgulhosos e sem palavras para descrever tanta emoção”, finalizou o pai de Italo.

O post Sem ter um treinador, Italo Ferreira começou no surfe como ‘autodidata’ apareceu primeiro em ISTOÉ Independente.


Sem ter um treinador, Italo Ferreira começou no surfe como ‘autodidata’ publicado primeiro em https://istoe.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário