À medida que evoluiu na carreira da escrita policial, Raphael Montes percebia a importância da complexidade de uma trama. Em seu novo romance, Uma Mulher no Escuro, em especial. “Para não parecer uma simples vítima, a protagonista, Victoria, necessitava ser uma personagem atípica, ou seja, com muitas dúvidas, mas com perfil heroico”, explica o escritor. Assim, o ato de confiar ou não em outras pessoas foi seu ponto de partida.
Depois do trauma de infância, em que sua família foi assassinada a facadas, Victoria se transforma em uma jovem desconfiada, preferindo ficar em seu apartamento, na Lapa, Rio de Janeiro, onde observa a vida alheia pelas janelas. Obrigada a enfrentar seu passado tenebroso, depois que sua casa é invadida por alguém que picha seu ursinho e as paredes, ela embarca em uma investigação em que as três pessoas mais próximas se tornam suspeitas.
“É também uma jornada de amadurecimento, em que Victoria descobre que, para se tornar adulta de fato, terá de enfrentar escolhas”, comenta Montes, apontando semelhanças em sua carreira literária. “Também eu tive de enfrentar opções na escrita para criar uma história em que a tensão psicológica predominasse, ao invés da violência.”
Para isso, realizou uma extensa pesquisa, que incluiu conversas com psiquiatras especializados em traumas infantis, estudos sobre transtornos e consulta com criminólogos. Buscou ainda subsídios em casos clássicos.
E, se dali tirou alguma certeza, é de que a dúvida deveria predominar. “Em quem podemos confiar? Com quem podemos dividir nossas angústias e nossos segredos? Esse é um dos grandes dilemas do cotidiano. Escrevi um livro em que o mistério é costurado aos poucos, a tensão aparece mais nas situações e no perigo iminente do que em cenas de violência”, explica Montes, que, por isso, aposta, pela primeira vez, na força de um personagem e sua complexidade.
Assim, sem perder a essência de um romance policial (afinal, o leitor quer saber quem matou a família da menina?), Uma Mulher no Escuro (que quase se chamou Uma Mulher no Vazio) seduz o leitor ao torná-lo cúmplice na investigação de Victoria, que tem razões de sobra para desconfiar daqueles que estão mais próximos: Max, seu psiquiatra, que sutilmente cruza a fronteira entre médico e paciente; Arroz, um amigo descoberto na internet; e Georges, escritor que frequenta o café onde ela trabalha.
A partir desses personagens, o escritor carioca joga com as suspeitas do leitor que, à medida que a história avança, tenta descobrir qual dos homens utiliza o conhecimento sobre a jovem para aterrorizá-la. Também busca explicação sobre os motivos que incentivam o criminoso a fazer esse jogo.
Os desafios motivam sempre Raphael Montes. Nas obras anteriores, ele embaralhava as regras do gênero policial, evitando assim a fórmula tradicional de um crime desvendado por um detetive, truque corriqueiro para surpreender o leitor. “Nesse novo romance, o culpado é de fato algum dos suspeitos”, conta ele, que já trabalha em quatro apostas para o próximo livro. “Uma delas é que será a eleita e, por enquanto, a história que mais me interessa tem uma mulher de 60 anos, tatuada, professora de física como protagonista. Quero dialogar com a distopia que marca os dias de hoje, com essa polarização de ideias.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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