domingo, 1 de março de 2020

Impacto do coronavírus é diferente em economias emergentes, afirma BIS

O surto do Covid-19 teve um impacto diferenciado nos preços dos ativos das economias emergentes, como analisou o Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês), em relatório trimestral da instituição que tem sede em Basileia e que foi divulgado há pouco. De acordo com a entidade, os investidores desses países se abstiveram de uma “liquidação no atacado” durante o período estudado.

Segundo o BIS, durante a fase de risco relacionado ao comércio entre as duas maiores potências econômicas do globo, os ativos de emergentes estenderam a recuperação desencadeada em outubro passado e as ações de países mais intimamente integrados nas cadeias de valores globais (GVC, na sigla em inglês) pareciam ter se beneficiado mais. Com evidências maiores da crescente ameaça representada pela nova infecção viral, conforme o relatório, os valores das moedas e ações dos emergentes reduziram seus ganhos anteriores, com as perdas concentradas nos países geográfica ou economicamente mais próximos da China.

O documento salientou que, em meio à redução significativa nas tensões comerciais, os investidores parecem ter favorecido as bolsas de valores dos países mais incorporados na fabricação de GVC. “Uma vez que o efeito geral da valorização das bolsas de valores globais durante esse período é levado em consideração, os mercados de ações nos países de GVC geralmente superam os dos produtores de commodities”, comparou. Essa constatação do BIS sugere que os investidores esperavam maiores ganhos nos mercados em que as empresas se beneficiariam, direta ou indiretamente, de uma retomada do “negócio habitual” nos processos globais de fabricação. Mercados dominados por produtores de commodities, por outro lado, podem não ver uma melhoria nas condições de negócios até que a produção industrial aumente e os estoques de commodities sejam reduzidos.

América Latina e Ásia

Esses ganhos no mercado de ações evaporaram em grande parte com o coronavírus assustando os mercados financeiros globais, de acordo com o banco. Os preços das ações caíram em todo o mundo, conforme o relatório, mas os declínios foram mais pronunciados na Ásia. Em contrapartida, o mercado de ações aponta para um melhor resultado na América Latina, que está geograficamente distante, mas principalmente ligada à China por meio de exportações. No caso do México, por exemplo, os retornos do mercado de ações relativamente fortes pareciam estar relacionados a notícias positivas sobre o acordo comercial entre o país com os Estados Unidos e o Canadá (USMCA, na sigla em inglês).

O BIS considerou que as oscilações nos mercados de câmbio foram semelhantes às dos mercados de ações. No geral, as moedas emergentes se fortaleceram significativamente em relação ao dólar durante o trimestre encerrado em fevereiro. Em termos ponderados, as moedas desses países atingiram as mínimas no início de setembro do ano passado, após o colapso das negociações comerciais EUA-China, e se recuperaram a partir daí. A apreciação acelerou após a assinatura do acordo da primeira fase. “Certamente, o dólar se fortaleceu com o início do episódio de risco do vírus. Porém, dentro de cada região geográfica, incluindo as economias avançadas, grandes exportadores de commodities e países com estreitos vínculos econômicos com a China tiveram uma maior depreciação”, recordou.

Brasil e Turquia

Assim como nas economias avançadas, as reações de preços nos mercados de renda fixa dos emergentes foram mais restritas do que as de outras classes de ativos. Os rendimentos da dívida soberana denominada em dólares continuaram em tendência de queda ao longo do último trimestre de 2019 e até o final de fevereiro. O declínio nos juros de emergentes ao longo deste período refletiu, em parte, fluxos de capital robustos em títulos de fundos de investimento em ações. Um índice de juros soberanos em moeda local também diminuiu durante o período em análise, impulsionado principalmente por quedas nos rendimentos do Brasil e da Turquia.

Para a instituição, o apetite pela dívida corporativa emergente denominada em dólar permaneceu robusto em meio à oscilação do sentimento dos investidores. Durante a fase de risco, os spreads das dívidas corporativas emergentes ultrapassaram o limite em que negociaram durante a maior parte de 2019, atingindo níveis comparáveis aos observados no primeiro semestre de 2018, antes da escalada das tensões comerciais. Ao mesmo tempo, os spreads da dívida soberana denominada em dólares desses países diminuíram em um ritmo mais rápido, ficando abaixo dos da dívida corporativa.

Embora os spreads de crédito dos emergentes – tanto soberano quanto corporativo – tenham aumentado notavelmente em resposta ao surto do Covid-19, o aumento, conforme o BIS, foi devido quase inteiramente a um declínio nos rendimentos americanos com maturidade comparável. Esse padrão caracterizou flutuações nos spreads de emergentes ao longo de 2019 e sugere que as oscilações recentes no sentimento dos investidores tiveram um impacto maior nos índices de referência dos EUA – possivelmente por meio de movimentos no prazo dos prêmios – do que nos dos emergentes correspondentes.

Apesar de alguns preços, a compensação por carregar o risco de crédito corporativo emergente pairou em níveis baixos em termos históricos, de acordo com o relatório. O spread entre a dívida corporativa e soberana denominada em dólar dos emergentes tornou-se positivo durante a fase de risco. “Esse movimento restabeleceu a relação esperada entre os spreads exigidos pelos investidores nessas duas classes de ativos”, pontuou o BIS. A inversão de spread que persistiu por algum tempo é totalmente explicada, segundo o documento, pela diferença no conjunto de emergentes incluídos nos dois índices. Além disso, o relatório salientou que eles não foram afetados por fatores que moldaram a evolução dos mercados financeiros no ano passado.

“A perspectiva otimista dos investidores para o mercado de títulos corporativos emergentes é consistente com os fluxos constantes de investimento nos fundos de títulos desses países, que subiram em janeiro e continuaram até meados de fevereiro”, avaliou o banco, acrescentando que, historicamente, essas entradas estão fortemente associadas a baixos níveis de compensação de risco nesse mercado. O apetite robusto dos investidores por ativos de renda fixa dos emergentes também é evidente em um declínio significativo nas correlações entre os juros dos títulos soberanos denominados em dólares e a moeda norte-americana. Nesse cenário, segundo o BIS, as empresas emergentes emitiram uma quantidade recorde de títulos denominados em moeda estrangeira nas primeiras semanas do ano.

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