Eric Clapton ouviu e embarcou no ato. Quem era, afinal, o jovem de 25 anos dono de uma linguagem de guitarra brasileira tão particular? Ele já sabia. Seu amigo, o produtor alemão Kurt Rosenwinkel, havia mandado um álbum de um músico que conhecera no festival de Jazz de Montreux, em 2015, com todas as recomendações possíveis. A música de Pedro Martins tinha um “toque caloroso e pessoal, com belas melodias e um movimento harmônico sofisticado e orgânico, excelente do ponto de vista formal e temático, ritmicamente único com um groove especial”.
Clapton respondeu depois de ouvir. A música de Pedro, que ele conheceu pelo álbum Simbiose, seguia por “caminhos incríveis” e sedutores. Simbiose foi gravado com outro brasileiro, o também guitarrista e violonista Daniel Santiago. Clapton mergulhou tanto que pediu para Kurt chamar os dois, Pedro e Daniel. Se a agenda dos brasileiros permitisse, e eles topassem, estavam sendo gentilmente convidados a se dirigirem, dias 20 e 21 de setembro, ao palco do Crossroads Guitar Festival 2019, em Dallas, Texas, Estados Unidos – o encontro que Clapton mantém desde 1999, com apresentações dos maiores nomes do rock e do blues, além dele próprio, com rendas revertidas para a The Crossroads Center, uma instituição de tratamento e amparo a dependentes químicos.
“Fiquei muito emocionado naquele momento”, diz Daniel, do instante em que recebeu o convite. “Quando saiu a divulgação oficial com meu nome no meio de tantos ídolos, foi muito surreal. A ficha ainda está caindo, mas, com os e-mails da produção chegando, ficamos a cada dia, eu e o Pedro, mais perto desse sonho.” Ele fala de uma constelação. Clapton vai receber, este ano, entre outros, Billy Gibbons, Bonnie Raitt, Jeff Beck, Vince Gill, Sheryl Crow, Susan Tedeschi, Jimmie Vaughan, Gary Clark Jr, Joe Walsh, Buddy Guy Band e Derek Trucks.
A história começa bem longe dali. Em frente à casa de Pedro, na cidade satélite de Gama, Distrito Federal, seu pai espera alguém abrir o portão da garagem dentro do Chevette com o filho ao lado. Pedrinho apanha uma fita cassete escrita A Arte de Beto Guedes e a insere no aparelho. O que vai acontecer nos próximos minutos naquele carro será definitivo para o que virá em seus próximos anos de vida.
Sal da Terra o atravessa de forma que lhe tira a respiração. Algo como um Beatles em português. Em outras palavras, era possível. “Beto (Guedes) se tornou o meu amor eterno”, diz Pedro. A música que soava em casa ia complementando à do Chevette. Djavan, Duran Duran, Hermeto Pascoal, Egberto Gismonti, Odair José. Um tropicalista de berço. A fita cassete virou logo Spotify para uma geração que viveu a juventude na ponta dos tempos e o mundo caiu sobre sua cabeça quando se tornou possível consumir qualquer canção com o espasmo de um polegar. “Não havia nada e, de repente, teve tudo. Sei ao mesmo tempo o que é esperar para o lançamento de um vinil e ter tudo ao alcance.”
Pedro começou a criar músicas em casa, gravando todos os instrumentos em seu quarto. Em 2015, fez sua inscrição para um concurso de guitarristas do mundo todo no Festival de Jazz de Montreux, na Suíça, e pagou para ver. O Chevette começou a ficar pequeno quando Kurt Rosenwinkel o viu da bancada dos jurados
“Como a música pode expressar com precisão sentimentos e emoções complexos do coração?”, diz o produtor ao se lembrar do que sentiu ao vê-lo. A seu lado, o outro jurado era o guitarrista John McLaughlin. “Nós, unanimemente, escolhemos Pedro para o primeiro lugar”, lembra.
Dali, Kurt o levou aos Estados Unidos para produzir seu próximo disco, e um intercâmbio começou. Depois de Simbiose, o álbum que arrebatou Clapton, Pedro gravou outro, Vox, que está sendo lançado pelo selo do amigo, Heartcore Records. Aqui, a musicalidade é outra. Kurt se cercou de músicos excepcionais para escancarar toda a influência dos músicos mineiros do Clube da Esquina que fizeram sua cabeça desde a infância. Além de Kurt Rosenwinkel (guitarra), há presenças do excepcional Brad Mehldau (piano) e mais Chris Potter (sax tenor), Kyle Crane (bateria), Frederico Heliodoro (baixo), Antonio Loureiro (bateria) e Oscar Azevedo (voz). Pedro Martins, além de cantar, toca guitarra, teclados, baixo, bateria, percussão e flauta. Sua música explora uma influência explícita da linguagem de Toninho Horta, Beto Guedes e Lô Borges.
A encruzilhada de sua vida, aquele lugar que guitarristas do começo do século 20 no sul dos Estados Unidos chamariam de perfeitos para o pacto com o tinhoso, se deu ali mesmo a seu lado, enquanto gravava Vox no estúdio de Kurt. “Quando olhei para o lado, ele estava lá, gravando uma voz para um disco do Kurt, mas eu não sabia que ele iria aparecer.” Clapton começou a contar histórias como se o garoto ao lado fosse um conhecido. Ficou ali, falando sobre o dia de 1968 em que colocou solo na música While My Guitar Gently Weeps, dos Beatles. O único não beatle a fazer um solo de guitarra com os ingleses.
Depois disso, Kurt enviou o trabalho do brasileiro e os contatos se fizeram. Pedro Martins é ainda um músico em construção, que comoveu Clapton menos por seu virtuosismo no instrumento e mais por um conceito de temas melodiosos e surpreendentes. Vive hoje entre gravações e shows pela Europa (já esteve na França, Alemanha e Dinamarca), Estados Unidos e a casa dos pais, em Brasília. O Chevette da família não existe mais.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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